Mais um ano, mais uma edição do Festival Paredes de Coura, o tal festival "alternativo" que, durante quatro dias em trezentos e sessenta e cinco possíveis, coloca no mapa esta pacata localidade do norte do país. Não vai ser um daqueles anos memoráveis cujas camisolas oficiais serão orgulhosamente desfiladas por aí - como as de 2005 -, mas será um ano para recordar dois grandes concertos: Primal Scream e dEUS. O resto, mais tarde ou mais cedo, vai para a gaveta do esquecimento.
>> 1º dia: 31 de Julho
Por razões que só a entidade que reserva bilhetes saberá, não consegui assistir aos três primeiros concertos do dia: Bunnyranch, X-Wife e The Bellrays. Pessoas que tenho em muito boa conta disseram-me que os portugueses estiveram bem e que os Bellrays deram um espectáculo do caraças. Quanto aos Mando Diao, o primeiro concerto a que assisti, se querem que vos diga, não me lembro de grande coisa. Acho que não estiveram mal, mas muito bem também não estiveram com certeza, caso contrário recordar-me-ia. Penso que o triste espectáculo que se seguiu retirou-lhes qualquer hipotético protagonismo.
Os Sex Pistols foram tudo aquilo que já vi que se disse por aí. Provocaram a revolta dos próprios punks que por lá andavam e esperemos que nunca mais cá ponham os pés - nem aqui nem em lado nenhum. São umas verdadeiras carcaças ambulantes, gordos e arrogantes, tocam tão bem/mal como há trinta anos atrás, mas estão totalmente descolados do mundo em que vivem. Um dia mais tarde posso dizer que ouvi "Anarchy In The UK" e "God Save The Queen" numa bela noite de verão, mas que sentido é que isso faz?
Em after-hours, destaque para um excelente set do DJ Amable, que soube entreter de forma irrepreensível a multidão que por ali se juntou para dar um pézinho de dança, passando praticamente tudo aquilo de que se tem falado recentemente.
>> 2º dia: 1 de Agosto
Os The Rakes souberam estar, tocando com muita entrega alguns temas dos seus dois álbuns. Mas, àquela hora, para se deslumbrar é preciso muito mais do que um concerto conseguido. Ainda assim, foi provavelmente a melhor das bandas a actuar nas quatro tardes. Seguiram-se os The Sounds, que provaram definitivamente que não valem um tostão furado. Vivem apenas das pernas da vocalista, sendo que musicalmente são quase uma nulidade. Não só a maior parte das músicas são francamente más como eles próprios não as sabem tocar. Ainda assim, "Painted By Numbers" e "Tony The Beat" entreteram os ouvidos menos exigentes.
Os Editors, apesar de previsíveis, estiveram bem. Alternaram temas do desiquilibrado An End Has A Start, que ao vivo funciona bem melhor do que em disco, com os grandes êxitos de The Back Room, como "Bullets", "All Sparks" ou "Munich". Tom Smith tem uma boa presença, mas à banda falta alguma coisa para além de um conjunto de boas canções.
Os Primal Scream deram um espectáculo do tamanho da sua própria dimensão, inteligente, estruturado, com princípio, meio e fim. Começaram por apresentar temas mais recentes, nomeadamente excelentes escolhas saídas do novo Beautiful Future, onde esclareceram que é o rock que lhes corre nas veias, e foram progredindo, sempre em crescendo, através dos momentos-chave de uma já longa carreira, para uma grande revisitação do melhor que o psicadelismo electrónico nos deu até hoje. Ficou muito claro que toda aquela diversidade musical nada tem de incongruente - ao vivo, tudo faz sentido. Uma extraordinária lição de música.
Os These New Puritans pareceu-me que deram um concerto igual ao do Clubbing de Maio na Casa da Música - até a camisola/armadura de Jack Barnett era a mesma - embora tivesse faltado a presença da muito afável Sophie Sleigh-Johnson. Tocaram outra vez de forma consistente, mas fiquei com a sensação de que a actuação resultou melhor em sala fechada.
>> 3º dia: 2 de Agosto
Os Teenagers, que eu até acreditava que tinham algum potencial, foram um desastre. Numa curtíssima actuação conseguiram estragar as 4 ou 5 boas canções que têm no álbum Reality Check, nomeadamente a rodadíssima "Homecoming", que deu origem a um momento peculiar em que - depois de Quentin Delafon ter tentado em vão que um grupo de raparigas portuguesas subisse ao palco para fazer o coro feminimo - uma menina esteve junto da banda a dançar e a fazer que cantava. Muito bonito, mas a música, meus senhores, onde está?
Quanto aos Mars Volta, respeito muito, tocam todos muito bem, mas por mim passo.
Os dEUS, que têm um pequeno culto por cá - algo que se sentia no ar e que proporcionou ao concerto uma aura muito especial - tiveram também uma actuação inesquecível, onde não só voltaram a mostrar que são músicos excepcionais, como também nos brindaram com um excelente espectáculo visual de alucinantes jogos de cor e de luz. À excepção de uma ou outra love song, como a belíssima "Nothing Really Ends", a banda terminou praticamente todos os temas em catarse instrumental, em momentos emotivos de grande intensidade. "Slow", "The Architect" e "Smoker's Reflect", do recém-editado Vantage Point, funcionaram muitíssimo bem ao vivo. Uns senhores.
Os Wraygunn, sobretudo Paulo Furtado, são excelentes entertainers. No entanto, tiveram um péssimo arranque e só lá mais para o fim é que as coisas se compuseram. O Tigerman lá fez o seu número de circo, atirando-se para cima da plateia, que vibrou com aquela proximidade, mas, pessoalmente, todo aquele aparato não me deslumbra. Já os vi em melhor forma.
>> 4º dia: 3 de Agosto
As Au Revoir Simone, que no ano passado lançaram o fascinante The Bird Of Music, tinham tudo para proporcionar um fim-de-tarde mágico. Mas as três meninas, sempre muito simpáticas e angelicais, com as suas teclas e sintetizadores, enterraram-se em palco e foi notório que a coisa funciona muito melhor em disco. Apresentaram dois ou três temas novos - um dos quais muito bom -, mas excelentes canções como "Sad Song", "Dark Halls" ou "A Violent Yet Flamable World" perderam muito do seu interesse. Já para não falar que uma delas - a que estava ao centro, julgo eu - canta, portanto... muito mal. Na sua ingenuidade, devido à reacção efusiva do público da frente, disseram que tinha sido provavelmente o melhor concerto de sempre. Partindo do princípio que não há qualquer tipo de ironia maliciosa por detrás daquelas faces doces, só se pode concluir que são muito pouco exigentes com elas próprias.
O Tributo A Joy Division foi tão mau, tão mau que não quero sequer comentar, por pena.
Biffy Clyro e Thievery Corporation, não, obrigado.
Entre as duas actuações anteriores houve ainda Lemonheads - reconheço que conheço muito pouco deles - e um concerto estranho, muito estranho. Arrancaram bem e com alguma força, sendo que depois os elementos da banda abandonaram o palco, ficando apenas Evan Dando, de guitarra em punho, diante de uma plateia pouco receptiva, a entoar melodias de travo mais folk. Interromperam uma canção ainda no seu início, sairam inesperadamente do palco, mas rapidamente regressaram para um último tema. Algo não correu bem ali, mas não foi propriamente um mau concerto. A música era boa.
O último concerto a que assisti foi o de Caribou, no palco secundário. Excelente actuação, por sinal. Com uma entrega fora do comum, o músico canadiano mais três outros elementos, atacaram as baterias e as guitarras como se não houvesse amanhã, num momento que aliou o rigor do prog a um certo experimentalismo noise. Não conhecia, mas fiquei com muita vontade de conhecer.
Seguidamente, e pela última vez, abandonei o recinto do Festival. Ontem regressei a casa, aproveitei para recuperar forças e cá estou de volta. É verdade que a maior parte dos concertos não passou sequer do medíocre, mas valeu muito a pena pelas duas bandas que referi e ainda uma ou outra agradável surpresa.